«Quero ganhar tudo outra vez» - João Rodrigues

Luta e Ambição. Duas palavras que, quando deixamos que comandem a nossa vida, nos ajudam a chegar ao topo. João Rodrigues (Oeiras, Julho de 1990) é o exemplo perfeito disso. Desde cedo começou a trabalhar para realizar o seu sonho de menino, ser jogador de hóquei em patins, e nunca desistiu. Nem mesmo quando as suas malas não aterraram em Inglaterra e teve de jogar com uns patins que não eram o seu tamanho. A nível de clubes, quando esteve no Benfica ganhou tudo o que havia para ganhar e agora quer repetir o feito com a camisola do Barcelona. 


Foto:  FCB

O teu início no hóquei foi aos 5 anos, no Paço de Arcos. Como é que isso começou? 
Eu decido começar a jogar hóquei por influência da minha família. O primeiro contacto que tive com o hóquei foi por causa do meu pai que jogava hóquei em campo, no Belenenses, e eu ia com ele para os treinos e para os jogos. Acompanhava-o para todo o lado. E claro, apaixonei-me logo pelo stick e pela bola. Até quando estava à mesa fazia da faca um stick e fazia de tudo uma bola, ou seja, tudo servia para eu “jogar” hóquei. Podemos dizer que eu ainda mal andava e já adorava o hóquei. Relativamente à patinagem, foi algo que surgiu por influência da minha irmã. Ela andava na patinagem e eu comecei a ir com ela para também aprender. Mas ao fim de 2/3 meses de patinagem sentava-me no chão e dizia que queria mais ação, que queria o hóquei. Foi então que fui para o hóquei em patins do Paço de Arcos que ainda hoje é uma escola de referência. 

Acabas por crescer no Paço de Arcos até que aos 19 anos dás o salto para o Benfica, onde estás 9 épocas e ganhas tudo o que há para ganhar a nível de clubes. Em que medida é que o Benfica teve um papel importante no teu crescimento pessoal e profissional? 
Sem dúvida que o Benfica foi muito importante. Chego ao Benfica ainda muito jovem, sabendo que ia ser uma experiência onde eu ia ter que aprender muito e aproveitar para me desenvolver como jogador e como pessoa. E foi, sem dúvida, isso que eu consegui. Absorvi cada minuto, cada segundo da experiência e fui evoluindo muito, trabalhando bem. Também tive a sorte de o treinador, na altura o Luís Sénica, me ter levado para o Benfica e de confiar muito em mim. A evolução foi-se dando, fruto também de muito trabalho e de aproveitar cada oportunidade que me davam. A nível pessoal posso dizer que devo muito daquilo que sou ao Benfica. 

Dessas nove épocas consegues destacar um momento que tenha sido o mais marcante? 
Há um que eu destaco sempre: a final da Liga dos Campeões que ganhamos no Dragão Caixa. E destaco esse por tudo, pela vitória, pelo momento que o clube atravessava que não estava a ser fácil e, por isso, aquela vitória acabou por ter muito significado, tanto para nós jogadores como também para os adeptos.  

E a nível negativo destacas algum? 
Sim. Em 9 anos há lugar para tudo. O pior momento foi quando perdemos o campeonato na minha última época, ou seja, em 2017. Esse foi o meu pior momento no Benfica. Foi muito complicado.  

Em tantos anos certamente também houve espaço para momentos caricatos... 
Sim, tive muitos. Mas o mais caricato aconteceu logo no meu primeiro no Benfica. Fomos jogar a Inglaterra uma eliminatória da Taça CERS porque na altura não tínhamos ranking para jogar na Liga dos Campeões e havia 4 jogadores sem malas, um deles era eu. Supostamente íamos para lá numa sexta e voltávamos a Portugal num Domingo, mas acabamos por ficar mais 3 dias, ou seja, 6 dias no total em Inglaterra e eu sempre sem malas. Contudo, alguém tinha que jogar. Tínhamos 2 guarda redes e mais 4 jogadores que tinham as malas e, portanto, o jogo podia acontecer. Entretanto perguntaram quem é que queria pedir equipamento emprestado aos ingleses para poder jogar e eu disse logo que queria. Era miúdo, não tinha muitas oportunidades e por isso tinha que agarrar as que me davam. Disse logo “se me arranjarem uns patins eu jogo”. Lá me arranjaram os patins só que o número não era o meu, eram mais pequenos, mas eu queria tanto jogar que usei aqueles. Acabamos por ganhar 23-1 e eu marquei 9 golos. Até me disseram que eu tinha sido um herói.  

Pouco tempo depois de estares no Benfica és chamado à Seleção, em 2011. Foi importante para ti ser chamado para representar o teu país? 
Sem dúvida. Foi um momento muito especial com o qual eu sonhava desde criança. Aliás na escola desenhava-me sempre a jogar hóquei em patins e com a camisola da Seleção. E, às vezes, também desenhava uma taça de campeão do mundo ou da Europa. 

Nesses desenhos também colocavas a braçadeira de capitão? 
Sim, colocava. Não sei bem porquê, mas colocava. O meu pai era capitão de equipa e provavelmente devia ser por isso. E a verdade é que hoje sou o capitão da Seleção. Apesar de ser algo que não valorizo tanto, reconheço que foi um voto de confiança muito importante por parte do selecionador e dos meus colegas. 

Podemos dizer que quase tudo aquilo que desenhavas acabou por se tornar realidade. Nem a Taça de Campeão Europeu te escapou. O que é que sentiste nesse momento? 
Como disse antes, isso era um sonho de menino e, portanto, acho que dá para imaginar a alegria que senti. Era um título que fugia a Portugal há muitos anos e foi, de facto, uma emoção enorme poder cumprir mais um sonho e ajudar o meu país a conquistar essa taça. 

Relativamente ao Barcelona: só no segundo contacto é que aceitas vir para cá. Estava a custar sair do Benfica? 
Sim, muito. E quando disse que sim também custou. Mas apanhou-me em momentos diferentes. Eu digo sempre que quando estamos felizes num sítio não devemos mudar e eu estava muito feliz no Benfica. Quando me contactaram pela segunda vez as cosias já não estavam a correr tão bem como anteriormente e aí achei que não podia deixar passar esta oportunidade. Se não aproveitasse desta vez nunca mais iria poder vivê-la. E a verdade é que não estou nada arrependido porque tenho aprendido imenso todos os dias. 

Há uma grande diferença entre o hóquei do Benfica e o hóquei do Barcelona? 
Isso depende muito de quem tivermos à frente das equipas. A exigência é alta nos dois clubes, são clubes onde tens sempre que ganhar. A grande diferença que eu noto é na mentalidade dos jogadores. Acho que os jogadores portugueses são mais preguiçosos e falo por mim também, enquanto aqui eles não tiram o pé do acelerador em nenhum momento e é isso que faz deles os melhores.  

E quais são as principais diferenças entre o campeonato português e o espanhol? 
Em Portugal há uma maior competitividade entre os quatro primeiros e o ambiente é melhor do que aqui. No entanto, em Espanha há uma maior organização, podemos ver os jogos todos numa plataforma na internet e em Portugal isso não é possível, tanto que às vezes há “jogos fantasma”, não sabemos o que é que aconteceu.  

Como foi a adaptação ao clube e à cidade? 
Não foi fácil, custa sempre mudar. No início, por causa da intensidade com que se treina aqui, sofri um bocadinho. Posso dizer que foi duro, mas tive sempre um pensamento positivo e sabia que com trabalho as coisas iam começar a fluir. Cada vez me sinto melhor e está tudo a correr bem. Relativamente à cidade, não senti grandes dificuldades porque é muito parecida com Lisboa. A única dificuldade é mesmo estar longe da família e dos amigos. 

Qual o balanço que fazes destes primeiros meses? 
É um balanço extremamente positivo e também por isso não me arrependo nada de ter feito a mudança. Sinto que estou a aproveitar muito bem esta experiência e quero continuar a aproveitá-la ao máximo porque não sei quanto tempo vou cá estar.  

Já notas diferenças entre o João que estava no Benfica e o João que está agora no Barcelona?
Sim, noto que estou melhor. Aliás, é impossível não ficarmos melhores quando treinamos com esta intensidade e com colegas com muita qualidade. Sou um jogador mais completo e melhor taticamente.  

No Benfica eras muito acarinhado pelos adeptos. Aqui já sentes esse carinho? 
Sim, apesar de ser diferente sinto esse carinho. No Benfica tínhamos mais gente nos pavilhões e os adeptos estavam muito próximos da equipa, quiçá às vezes até demasiado, mas sentir essa proximidade e proteção é importante principalmente quando as coisas correm mal. Aqui no Barcelona também temos muito apoio, mas é um pouco diferente. E em Portugal vive-se mais esta modalidade. 

Algum jogador de referência com quem gostarias de jogar? 
Felizmente tive a sorte de jogar com os jogadores que tinha como referência. Quando era miúdo e estava no Paço de Arcos a minha referência dos seniores era o Valter Neves e tive o prazer de jogar com ele durante nove anos. Mais importante do que isso foi ter criado uma grande amizade com ele e essa é uma das principais medalhas que levo para toda a vida. Hoje, por exemplo, partilho o balneário com o Panadero que, para mim, é o melhor jogador do mundo. São experiências incríveis poder jogar e aprender com jogadores que sempre foram uma referência para mim. 

O que é que ainda te falta conquistar? 
Sem dúvida o Campeonato do Mundo. Não sei se algum dia vou conseguir, mas vou lutar por isso. E quero ganhar tudo outra vez, agora com o Barcelona. 

Já pensas no teu futuro depois de terminares a tua carreira de jogador? 
Penso desde sempre, mas não sei ao certo o que vou fazer. Aquilo que tenho feito é preparar-me para essa altura, investindo na minha formação académica e, por isso, fiz uma licenciatura em gestão e agora aqui estou a fazer um mestrado em gestão desportiva. 

Treinar é uma opção? 
Não me vejo como treinador, mas também não descarto essa hipótese. No início dizia assertivamente que não queria, mas agora já penso que posso aproveitar esta experiência de jogar no Barcelona para mais tarde poder partilhar aquilo que aprendi. Contudo, acho que não tenho perfil para tal, mas é algo que só saberei se experimentar.  

Gostavas de voltar ao Benfica? 
Gostava muito de voltar ao Benfica, mas não quero que seja já. Neste momento quero desfrutar desta experiência e ficar aqui o máximo tempo possível. Vamos ver o que me reserva o futuro. 

Comentários

Enviar um comentário