Sonhos pela metade

Reportagem realizada em março de 2016 com Mariana Fernandes

Fábio Faria foi jogador de futebol. Representou o FC Porto, o Rio Ave e o SL Benfica. Em 2012, era uma estrela em ascensão. Mas a vida tinha outros planos para ele. A quatro de fevereiro desse mesmo ano, entrou dentro de campo pelo próprio pé, mas sairia de maca. Nada voltou a ser o mesmo.


O dia está cinzento mas Fábio mantém o sorriso. Residente em Vila do Conde, pediu para que a entrevista se realizasse junto ao estádio do clube de sempre: o Rio Ave. Sempre quis ser jogador de futebol. Ainda assim, o pai nunca achou muita piada à ideia. “Ele foi jogador de futebol profissional e desde cedo não quis que eu seguisse as pisadas dele”, confidencia Fábio. Como alternativa, descobriu o basquetebol. E o seu futuro até podia ter ido por aí. “Joguei sete anos, as coisas estavam a correr muito bem, tinha jeito e era chamado para ir às selecções nacionais”, revela, visivelmente nostálgico. Há muito tempo que Fábio não pensava nos tempos do basket.

Mas então, como é que apareceu o futebol? “Aos 12 anos, surgiu a oportunidade de ir treinar ao FC Porto, às captações, e fui com muito agrado”. Nesta altura, foi confrontado com a primeira grande decisão da ainda curta carreira: futebol ou basquetebol. “Na altura em que ia assinar pelo Porto, surgiu a oportunidade de ir representar a seleção portuguesa [de basket], num estágio em que ficaria em Lisboa dois anos”.

Mas como sempre, o sonho de menino falou mais alto. “Decidi e achei que era melhor ir jogar futebol. Há muito tempo que sonhava com isso”. Mas o sonho não durou para sempre. Foi até demasiado célere. Quando mudamos o rumo da conversa, o semblante de Fábio fica visivelmente mais carregado. Perguntamos pelo dia quatro de fevereiro de 2012. Pelo jogo Moreirense x Rio Ave, a contar para a Taça da Liga.

“Eu nem sabia o que era”, diz, “até pensei que era uma má disposição porque comecei a sentir-me mal e a ver tudo branco”. Foi retirado de campo de maca; o corpo já não suportava o seu peso. No balneário, já meia hora depois, o cenário agravou-se. “Deixei de sentir as pernas”, afirma Fábio, com uma calma aparentemente recente. Perdeu os sentidos na ambulância e foi o desfibrilador que lhe salvou a vida. A primeira reação à insuficiência cardíaca diagnosticada foi a surpresa: “o meu pai foi desportista, a minha irmã foi desportista e nunca ninguém teve problemas de saúde. Fiquei surpreendido”.

À surpresa, seguiu-se a desilusão. “Era um sonho de criança representar o clube do meu coração [Benfica]. Pensei que ia ter um futuro risonho e ter este problema foi muito complicado. Foi muito complicado”. A emoção toma conta da voz de Fábio. Durante um ano, não viu futebol. A revolta comandava-lhe a vida. Mas a ajuda de um psicólogo, aliada ao apoio da família e dos amigos, como tanto gosta de realçar, foi preponderante na busca de um novo rumo. “Muitas vezes pensei em desistir da minha vida porque trabalhei muito para conseguir o que consegui e de repente parece que o mundo acabou”. Fábio faz uma pausa e parece recordar-se dessa altura. As memórias ainda magoam. “Felizmente, tenho pessoas que me ajudaram muito, e, graças a essas pessoas, a minha estabilidade emocional melhorou”.

Agradece principalmente ao Sindicato dos Jogadores e a Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica. O clube cumpriu o contrato até ao fim e pagou o salário de Fábio Faria todos os meses, mesmo depois de este ter forçosamente terminado a carreira.

Quando perguntamos pelos dias de hoje, quatro anos depois daquele último jogo, Fábio é peremtório: “neste momento, estou muito feliz”. Um sorriso invade o rosto do jovem ex-jogador. O futebol obrigou-o a deixar os estudos demasiado cedo, e, quando surgiu a oportunidade de voltar à escola, Fábio não hesitou – “entrei no ISMAI [Instituto Universitário da Maia]. Estou no 3º ano de Gestão do Desporto”. Agora sonha com uma vida profissional ligada ao futebol, almeja um cargo de gestor desportivo. Onde? Em casa. “Vou fazer estágio aqui no Rio Ave e estou muito contente”.

Além do curso, Fábio mantém os seus dias ocupados com outro projeto. “Tenho uma marca de roupa”, diz-nos, orgulhoso. “Sempre gostei de me vestir de maneira diferente, cortava as minhas t-shirts, rasgava as minhas calças”. Juntou-se à namorada, designer de profissão, e criou uma marca própria, presente em 12 lojas.

Já fez palestras sobre a sua experiência, e, apesar de afirmar que ainda não se sente confortável a falar no assunto, considera que consegue ajudar os mais novos. “Nós quando somos novos não conseguimos ver o outro lado, só queremos fazer aquilo de que gostamos. Não vale a pena arriscar a nossa vida. Primeiro a nossa vida, depois o resto”.

A última resposta gela-nos. Perguntamos se conhece algum atleta que tivesse passado pelo mesmo. “O Lucas, que trabalhava para o Sindicato dos Jogadores. Infelizmente, já morreu há cerca de um ano”.

[Para realizar esta reportagem, procurámos outros atletas que tivessem histórias semelhantes à de Fábio. Nenhum se mostrou disponível para falar connosco. Procurámos ainda associações que ajudassem jovens atletas a passar por processos similares. Não existem. A ajuda a atletas profissionais impedidos de desempenhar as suas modalidades devido a problemas de saúde é ainda deficitária ou quase inexistente.]

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